PERSE: O fim de um benefício ou mais um capítulo da insegurança jurídica tributária?
O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – Perse foi criado em 2021 com o objetivo de estimular a recuperação do setor de eventos, reconhecidamente um dos mais afetados pelas medidas restritivas adotadas durante a pandemia da Covid-19.
Em sua redação original, a Lei nº 14.148/2021 previa: i) renegociação de dívidas com até 70% de desconto e parcelamento em até 145 meses; ii) alíquota zero por 60 meses para IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e Cofins; iii) possibilidade de indenização para empresas com queda superior a 50% no faturamento (dispositivo posteriormente revogado).
Importante destacar que na referida lei não havia qualquer previsão de teto fiscal para os benefícios concedidos.
Desde o início, a “Lei do Perse” suscitou debates jurídicos relevantes. A ausência de teto fiscal, o uso do benefício por empresas fora do setor e a definição dos beneficiários por meio de atos infralegais geraram diversas controvérsias jurídicas e insegurança entre os contribuintes.
Ainda assim, acreditou-se que o benefício da “alíquota zero”, concedido por prazo certo e sob condições objetivas, passou a integrar o patrimônio jurídico dos contribuintes que se enquadravam nas regras, o que, pelo menos em tese, deveria impedir a sua revogação ou limitação antes do término de toda sua vigência.
Em janeiro de 2023, contudo, o Governo Federal publicou a Medida Provisória nº 1.202/2023, propondo a revogação integral da “alíquota zero” a partir de abril de 2024. Alegava-se o alto custo fiscal e o uso indevido do programa. No entanto, diante da forte reação de entidades empresariais, do Congresso e da sociedade civil, a MP caducou sem ser convertida em lei, e a revogação não prosperou naquela época.
Em seguida, a Lei nº 14.859/2024 trouxe uma mudança significativa: instituiu um teto fiscal de R$ 15 bilhões para os gastos com o Perse, válido até dezembro de 2026. Apesar de tal medida, o cenário permaneceu indefinido até a publicação do Ato Declaratório Executivo RFB nº 2/2025, em março deste ano.
Esse ato administrativo, emitido pela Receita Federal, declarou que o teto havia sido atingido, determinando, assim, a extinção do benefício fiscal para os fatos geradores ocorridos a partir de abril de 2025. A medida foi tomada sem participação efetiva dos contribuintes, o que reacendeu a polêmica e gerou nova onda de judicializações.
Empresários e entidades representativas alegam que a decisão administrativa viola princípios fundamentais do direito tributário, ganhando relevo: a segurança jurídica; a proteção à confiança legítima; os princípios da legalidade e da anterioridade tributária (nonagesimal para PIS, Cofins e CSLL; anual para IRPJ.
Nesse contexto, destaca-se, no âmbito judicial, a ação proposta pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), distribuída à 4ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, que inicialmente havia obtido liminar em favor dos associados para afastar os efeitos do Ato Declaratório Executivo nº 2/2025, reconhecendo que sua edição violaria o Código Tributário Nacional e o entendimento consolidado do STF sobre isenções tributárias com prazo certo e condições específicas.
No entanto, essa decisão foi suspensa em sede recursal, evidenciando o caráter instável e ainda indefinido da controvérsia. O Desembargador Federal Pedro Braga Filho, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, ao apreciar o recurso da União, deferiu o efeito suspensivo pleiteado, determinando a suspensão da liminar concedida em primeira instância até o julgamento do mérito do agravo de instrumento.
Se, por um lado, os contribuintes argumentam que houve uma ruptura na confiança legítima e previsibilidade dos negócios, por outro a Fazenda Nacional sustenta que a limitação fiscal foi necessária para preservar o equilíbrio das contas públicas, especialmente diante da ampliação indevida de beneficiários e do impacto não estimado no orçamento.
O embate em torno do Perse revela um cenário de intensa insegurança jurídica e expõe a tensão entre interesse arrecadatório e proteção à legalidade tributária. Para o empresário do setor de eventos, hotéis, restaurantes, bares ou espaços de alimentação, acompanhar de perto os desdobramentos judiciais é essencial.
Embora ainda não exista uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) específica sobre o Perse em trâmite no Supremo Tribunal Federal, o tema vem sendo enfrentado pelo Judiciário em diversas instâncias, com decisões liminares relevantes, como a concedida à Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) que, embora atualmente suspensa, não impede que outros contribuintes também busquem o amparo do Poder Judiciário e possam ter êxito.
Exatamente por isso muitos contribuintes têm buscado medidas judiciais para preservar seu direito de continuar utilizando o benefício fiscal, sobretudo aqueles que confiaram na sua vigência ao longo dos 60 meses inicialmente prometidos, especialmente confiando na clareza do Art. 178 do CTN, segundo o qual isenções concedidas por prazo certo e em função de determinadas condições, não podem ser unilateralmente revogadas.
Não seria mais razoável o Governo cumprir o prazo de 60 meses inicialmente previsto – que já se aproxima, inclusive -, do que criar mais um capítulo da insegurança jurídica tributária ?
ROBERTA DE ALMEIDA MAIA BRODER
Sócia do Escritório Nogueira Reis Advogados, especialista em Negociação e Resolução de Conflitos pela Harvard Law School e Mestre em Direito Profissional Tributário pela FGV, São Paulo