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Reginaldo Costa analisa o setor supermercadista da Bahia em 2024

Pesquisa realizada pelo especialista em varejo Reginaldo Costa delineou o comportamento do setor supermercadista no ano de 2024 – marcado pela alta concentração de faturamento do varejo alimentar, onde as cinco maiores empresas do segmento concentram mais de 70% do faturamento nacional –, apontou os desafios a serem enfrentados em 2025 – motivados pelo aumento da taxa de juros, crescimento da inflação de alimentos e energia elétrica, além do endividamento crescente das famílias – e indicou as tendências e desafios que devem ser travados nesse ano pelo setor.

O estudo analisou ainda a ascensão e queda nos formatos das grandes redes, identificou as redes de supermercados baianos que mais crescem, comparou as performances das redes de supermercados associativistas regionais e vislumbrou algumas possibilidades a serem seguidas pelo varejo baiano, além de ensinar o que podemos aprender com o crescimento das grandes redes nacionais.

Varejo baiano tem uma série de desafios a enfrentar

Analisando a realidade local, Reginaldo constatou a existência de uma lacuna na competitividade e no desempenho dos supermercados baianos. Segundo ele, para que seja possível promover mudanças significativas no setor de supermercados da Bahia, será imprescindível a participação ativa das lideranças das associações que representam os supermercados, atacados e distribuidores.

“É necessário entender os princípios e ciclos que regem os mercados, com atenção especial ao desempenho dos diferentes formatos de loja. Contudo, é comum que o debate sobre o desenvolvimento do setor supermercadista tenha foco nas questões fiscais e tributárias, é indiscutível que elas são fundamentais para o negócio, porém a continuidade do supermercado de vizinhança, depende fortemente do equilíbrio na cadeia logística”, destacou o especialista, ressaltando que para reduzir o custo na aquisição de mercadorias não se deve gerar um custo maior para a própria mercadoria.

Reginaldo lembra que, ao lançarmos um olhar para o passado, desde a origem dos supermercados de vizinhança, o abastecimento compartilhado entre lojas por meio de atacadistas e distribuidores, foi o modo mais inteligente de construção da cadeia de abastecimento para o pequeno e médio varejista, tendo essa prática sustentado por décadas o setor. “No entanto, no Brasil, a guerra de preços no mercado local e a falta de organização das lojas de vizinhança levaram à necessidade de criar Centros de Distribuição (CD’s) exclusivos para grupos de lojas, a partir de 2001. Essa estratégia foi decisiva para o crescimento de muitos supermercados de vizinhança”, aponta.

Porém, em sua avaliação, repetir hoje a estratégia dos CD’s exclusivos como uma solução padrão é um grande problema por causa do custo elevado, tanto para fornecedores como para supermercadistas. “Agregar as despesas de armazenagem e distribuição ao CMV (Custo da Mercadoria Vendida) é algo complexo que causa impacto na formação dos preços. É um cenário diferente daquele que tínhamos em 2001. Além de concorrentes maiores, o setor tem um ambiente fiscal mais complexo, a legislação trabalhista e as convenções coletivas são mais rígidas. O contexto exige novas soluções”, avalia.

Ascensão e queda no formato de lojas das grandes redes

Entre os formatos de loja em queda registrados em 2024, Reginaldo constatou o fechamento de cinco lojas na Bahia do Grupo Carrefour, no formato hipermercado. Já o Grupo Casino, por intermédio da bandeira Pão de Açúcar, fechou a segunda e última loja em Salvador, sendo a unidade do Costa Azul um modelo de vizinhança.

Quanto aos formatos de loja em expansão verificados no ano passado, destaques para o Grupo Mateus, que abriu, em 2024, a sua oitava loja no interior baiano, no formato atacarejo. A Rede Atacadão (Grupo Carrefour), por sua vez, consolidou o ano de 2024 com 40 lojas na Bahia. A Rede Assaí (Grupo Casino) também obteve um bom resultado, consolidando o ano de 2024 com 24 lojas na Bahia. Por fim, o Fundo Pátria (Plurix), com participação de 56% da Rede Atakarejo, consolidou o ano de 2024 com 38 lojas na Bahia.

Em seu estudo, Reginaldo fez a constatação de que o modelo hipermercado não tem suportado os custos elevados dos serviços que presta. Um outro fator observado por ele que traz desafio à operação é a complexidade logística na ampliação de categorias, o que fatalmente compromete a margem de lucro por meio de perdas e necessidade de grandes descontos.

De acordo com ele, as redes de grande porte que possuem lojas de vizinhança (entre 700m² e 1.500m²) enfrentam a dificuldade natural de abastecimento. Ele acredita que se as grandes redes construírem um CD próprio, vão inviabilizar os custos de operação das lojas. “Por outro lado, sem ter um CD, são poucas as alternativas de abastecimento para essas lojas de operação nacional”, contemporiza.

Sete redes baianas de supermercados que mais crescem

que as redes baianas que têm conhecido um maior crescimento nos últimos anos são a Rede Hiperideal, RedeMix, Almacen Pepe, Cesta do Povo, Atacadão  Atakarejo, Hiper Unimar, Total Atacado e Rede Novo Mix, que se consolidam com formatos mais modernos, investindo em infraestrutura e localização, aumentando a eficiência operacional, serviços e atendimento ao consumidor, criando uma experiência de compra para o cliente que se torna um grande diferencial competitivo.

Reginaldo aponta dois motivos que consolidam esses modelos de lojas como vencedores em expansão. O primeiro deles é a expertise no mercado regional, promovendo uma operação com maturidade e assertividade na expansão das lojas e tendo como grande diferencial a ocupação de áreas com maior potencial para supermercados; o segundo deve-se à dominância operacional local, já que as redes baianas têm muito mais velocidade e assertividade para tomada de decisão ao tempo em que as grandes redes nacionais dependem de líderes fora da região para movimentos estratégicos locais.

Por outro lado, os grandes desafios que essas redes baianas têm que enfrentar, nesse caso, são diametralmente opostos às suas vantagens. As redes baianas têm uma importância regional, e não nacional, para as indústrias, o que, na opinião de Reginaldo, implica na existência de uma vulnerabilidade diante de ações de combate dos grandes players nacionais do setor supermercadista. “Esses concorrentes de atuação nacional têm mais recursos de investidores e acionistas, detêm quase a totalidade das verbas de investimento das indústrias e agem com um forte lobby para decisões políticas”, constata, lembrando que o custo elevado de armazenagem e distribuição é outro complicador. “Sob o pretexto de ‘comprar mais barato’, as redes regionais passam a construir grandes estruturas de armazenagem que agregam custos e as tornam menos competitivas”, pontua.

O especialista mostrou preocupação ao constatar em sua pesquisa que as cadeias de distribuição regionais estejam sendo enfraquecidas e lentamente desmontadas, e como consequência os custos para aquisição de mercadorias estejam aumentando para as redes regionais. Tomando como exemplo a produtividade das lojas que fazem parte das redes de supermercados locais, baseado em números oficiais da Abras 2023 ele afirma que os dados mostram que na Bahia os indicadores de produtividade por loja são menores que a média nacional, fato que acontece em todos os formatos, atacarejo, loja de vizinhança ou hipermercado.

Redes baianas de supermercados associativistas

O estudo apontou que as pequenas e médias redes de associativismo na Bahia têm obtido avanços relevantes. “Formadas por empresários que trabalham em um mercado de competitividade injusta, sem apoio do governo e com custos operacionais elevados para manter as lojas, são verdadeiros guerreiros lutando contra grandes corporações. Merecem reconhecimento e méritos por sobreviverem nesse caos fiscal e tributário que é o varejo supermercadista”, destacou Reginaldo.

De forma geral, o setor de lojas de vizinhança tem encontrado barreiras para avançar. Para alguns, o esforço para focar em compras no CD como principal diferencial competitivo cobra um preço muito alto. Reginaldo aponta cinco motivos:

  1. Custo de capital imobilizado

Um fator complicador é a caução como garantia de pagamento do associado ao CD, que também serve como limite de compra para a loja, o que pode reduzir o lastro financeiro das lojas e aumentar o custo de aquisição da mercadoria (paga-se antecipadamente pela mercadoria comprada).

  1. Custo logístico elevado

Armazenar mercadorias a quilômetros de distância da loja, custear o transporte com avarias e perdas de mercadorias, assumir os custos de aquisição e manutenção do caminhão, bem como os custos com motorista, ajudante, combustível e pedágios, são outros componentes que pesam no CMV (Custo da Mercadoria Vendida) do supermercado.

  1. Redução da competitividade

Se antes do CD havia fornecedores diversos com alto volume de ofertas à disposição do supermercado local, o processo de centralização das compras no CD pode eliminar essa possibilidade obrigando todos a comprar em um só lugar. É verdade que, para as commodities, existe um diferencial real na compra, porém elas não representam 10% do número de itens vendidos no CD. O problema estaria em obrigar o supermercadista a centralizar 90% dos itens (curvas B e C), que seriam melhor negociados na loja. Na história do associativismo, há muitos casos em que a negociação não ocorre nas lojas, porque o CD precisa captar verbas e custear sua operação, que é onerosa e também não gera lucro suficiente para pagar seus próprios custos. Algumas redes hoje testam um modelo de abastecimento híbrido.

  1. Piora nas condições comerciais

Prazos menores para aquisição de mercadorias no CD podem impactar a gestão financeira das lojas. O supermercado é uma atividade de baixo lucro e alto giro de mercadorias. Ter prazos maiores é fundamental para o crescimento das lojas de bairro e para a qualidade na gestão de pagamento das mercadorias. Verbas e bonificações também ajudam as lojas locais a recompor as margens quando precisam ajustar preços, mas, normalmente, isso também é levado para o CD e não para loja.

  1. Passivos trabalhistas e fiscais

Os sócios do CD assumem um grande risco quando terceirizam a gestão do CD. Há passivos fiscais e trabalhistas sendo criados pelo CD. Um dia a conta pode aparecer, por isso é necessário aprofundar esse debate hoje.

 

Os possíveis caminhos para o varejo baiano

De acordo com as conclusões tiradas da pesquisa, Reginaldo aponta a necessidade de se realizar um planejamento de médio e longo prazo, que deve ser mediado por líderes e associados de entidades representativas, para evitar conflito de interesses individuais. Buscar a reconstrução de um modelo logístico de abastecimento regional, pensando coletivamente. Ele acredita que o caminho para que isso aconteça está nas mãos das entidades que representam os interesses dos supermercadistas e, também, dos atacadistas e distribuidores.

Para ele, a indústria anseia por projetos das associações representativas para se posicionar. “Não cabe à indústria dizer ‘o que deve ser feito’; o papel dela é ‘participar do que precisa ser feito’. A indústria atende demandas, adapta-se a elas, dialoga e colabora, apoia e incentiva ações de crescimento do consumo em todos os canais. Mas, considere a indústria como fornecedora de todos os setores do varejo alimentar. Ela precisa ter isenção de ações, guardar sigilo dos seus clientes, não escolher lados, não ‘favorecer setores arbitrariamente’. Por isso, é tão importante ter projetos estratégicos que mudem a dinâmica atual. A indústria precisa ser provocada pelas associações de supermercados e de atacados/distribuidores”, destaca.

Ele acredita que cada canal de distribuição precisa ser renovado, aprimorado, aperfeiçoado; precisa tornar-se mais produtivo e com melhor aproveitamento. Apenas insistir em modelos que não são financeiramente sustentáveis é tentar empurrar o problema para frente. É preciso redefinir papeis e posicionamentos comerciais.

Reginaldo diz que com o advento do modelo atacarejo, existe uma quebra de paradigmas no setor de distribuição: não ter estoque confinado (quando o cliente tem acesso direto às mercadorias na loja); não administrar frota de veículo própria; não ter custos elevados com equipe comercial; não ter inadimplência; ser mais eficiente na captação de investimento da indústria. “Esses diferenciais afetam o ecossistema do canal de abastecimento dos supermercados locais, pois eles operam no modelo de maior risco e menor lucro”, diz.

O especialista conta que muitos supermercados locais, mesmo sem escala de vendas, construíram o CD, que é um modelo de compras para vender em larga escala. “Porém o consumidor local não compra volume, ele busca a comodidade da compra e dos serviços prestados”. Para ele, quando a loja de vizinhança adota um modelo de compra em escala, sem ter uma venda em escala, passa a comercializar como atacadista, operando, porém, com muito custo e menos eficiência de distribuição que o canal atacarejo. A anomalia desse processo é percebida quando o CD passa a vender para lojas concorrentes dos seus associados.

Como consequência, atesta ele, os CD’s acabam por rivalizar com atacados e distribuidores. Essa dinâmica de aumento de compras no CD não é estratégica para a indústria, apenas reduz custos de entregas e concentra a liquidez dos pagamentos. O efeito colateral para a indústria é a redução do mix negociado e a predominância de vendas nos itens da curva A.

Ele diz que o fortalecimento das cadeias de abastecimento tem ganhos em escala para o supermercado de vizinhança pois promove prazos maiores para pagamentos das mercadorias; permite maior possibilidade de adequar as marcas vendidas ao público da loja; estabelece crescimento da autonomia para negociar as novidades e lançamentos das indústrias; direciona informações sobre produtos diretamente com o canal especializado; concede maior poder de negociação quando compra à vista, compra de volume ou negocia o mix.

Lições a aprender com as grandes redes nacionais

Reginaldo conta que nas grandes redes nacionais, existe um movimento de valorização dos fornecedores regionais. No entanto, a logística é um problema para esses fornecedores. Por isso ele diz ser necessário estimular o setor de distribuição como um fomentador de negócios entre pequenos e médios produtores para as lojas de vizinhança.

“A concentração de negócios nas grandes indústrias, faz o setor de distribuição trabalhar com estoques elevados, alto custo na folha de pagamento e forte comprometimento financeiro. É imperativo fortalecer a relação entre o setor supermercadista e o setor atacado/distribuidor”, ensina, lembrando que o supermercado de vizinhança precisa desenvolver categorias que promovam a saudabilidade, incentivem a produção regional e promovam o consumo sustentável.