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O setor supermercadista, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) e os atos de concentração econômica

Em abril de 2023 a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) divulgou o Ranking Abras durante o evento Smart Market. A pesquisa é realizada a 46 (quarenta e seis) anos e retrata as movimentações do setor supermercadista no ano anterior. Os resultados do ano de 2022 foram expressivos, tendo o setor de varejo avançado e alcançando faturamento de R$ 695,7 bilhões por meio da operação de todos os seus formatos e canais de distribuição.

Esses números bastante significativos são acompanhados por avanços também em relação à geração de emprego e à expansão do mercado, com o aumento do número de lojas no atual cenário do país passando de 92.588 lojas para 94.706. A pesquisa divulgada evidencia que esse setor, que diariamente atrai 28 milhões de consumidores a suas lojas, representa 7,03% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional.

Justamente por sua expressividade no cenário econômico brasileiro, por sua importância em relação aos consumidores, pela diversidade de operações que engloba etc., o setor supermercadista tem a atenção dos órgãos estatais de regulação. Nesse contexto, um órgão que merece especial destaque é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Trata-se de uma autarquia federal, vinculada ao Ministério da Justiça, que integra o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), e tem suas atribuições definidas na Lei n. 12.529/2011.

A missão do Cade é zelar pela livre concorrência no mercado. Dentre suas responsabilidades, estão as decisões, em última instância, sobre a matéria concorrencial, a fomentação e disseminação da cultura da livre concorrência. Isso porque, a livre concorrência é um direito constitucional e sua defesa é princípio geral da ordem econômica brasileira (Art. 170, IV). Essa defesa materializa-se na repressão à dominação dos mercados e de quaisquer movimentos tendentes à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (Art. 173, § 4º, da CF). Mas qual a relevância desta autarquia para o setor supermercadista? Bom, é atribuição do Cade analisar e apurar atos de concentração econômica de notificação obrigatória, de acordo com o Art. 88 da Lei n. 12.529/2011 e da Portaria Interministerial n. 994/2012.

Na forma do Art. 90 da Lei n. 12.529/2011, os atos de concentração são as fusões de duas ou mais empresas anteriormente independentes; as aquisições de controle ou de partes de uma ou mais empresas por outras; as incorporações de uma ou mais empresas por outras; ou, ainda, a celebração de contrato associativo, consórcio ou joint venture entre duas ou mais empresas. Tratam-se de operações que têm se tornado ainda mais corriqueiras no setor do varejo, especialmente como forma de inserção de determinadas marcas em localidades em que ainda não se atua, ou onde a sua presença é limitada. Ao final do procedimento, o Cade poderá aprovar a operação com ou sem restrições, ou reprová-la.

Um caso ato de concentração econômica de grande relevância nacional que recentemente foi submetido à apreciação do Cade foi a aquisição do Grupo Big Brasil pelo Carrefour (ato de concentração n. 08700.003654/2021-42). A operação consistiu na aquisição, pelo Atacadão (Grupo Carrefour), da totalidade das ações do Grupo Big, abrangendo 386 unidades de varejo de autosserviço do Grupo Big.

O caso é um grande paradigma a ser estudado. A decisão do conselho foi no sentido de aprovar a operação, com restrições, condicionada à assinatura e cumprimento de Acordo em Controle de Concentrações (ACC), especialmente para afastar preocupações acerca do exercício de poder de mercado pelo grupo econômico resultante da operação.

Para essa conclusão, foi realizado um verdadeiro diagnóstico do setor. Alguns temas de bastante relevância para os operadores econômicos foram, por exemplo, a atualização da definição de mercado relevante no setor de varejo para fins concorrenciais, a verificação das áreas de influência de cada grupo envolvido na operação e definição acerca da dimensão geográfica a ser adotada em casos futuros, os critérios de definição acerca da probabilidade de exercício de posição dominante etc. Tratou-se de uma verdadeira análise econômica do setor supermercadista e uma revisitação aos julgamentos das principais operações que foram submetidas à apreciação do Cade.

Acompanhar o entendimento dos órgãos que compõem o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) nos julgamentos relacionados ao setor de varejo é de fundamental importância. Uma vantagem interdisciplinar para melhor compreender esse setor que corresponde a mais de 7% do PIB nacional.

 

Luciana Contreiras Viana

Advogada do Fiedra, Britto, Ferreira Neto Advocacia Empresarial